A livre opção pela cesariana: um “nudge às avessas”

Bruna Menezes Gomes da Silva, Julio Cesar de Aguiar

Resumo


Resumo: A pretexto de resguardar a autonomia da parturiente, inovações legislativas que visam a garantir o direito de escolha pelo parto cirúrgico independente de indicação médica emergem no Brasil. Os altos índices de intervenções cesarianas realizadas no país, contudo, subsidiam questionamentos quanto à necessidade e conveniência da criação de normas que contrastam com as evidências científicas relacionadas à segurança da assistência ao parto e que, à luz da análise comportamental e econômica do direito, impulsionam a escolha pelo modelo cirúrgico de parto em prejuízo do melhor interesse da mulher, da criança e do sistema de saúde. A compreensão da novel legislação como um nudge com efeitos perversos revela que a previsão legal de um direito à cirurgia cesariana não é um mecanismo eficiente para garantir a saúde e autonomia da mulher no ciclo gravídico-puerperal.

Palavras-chave


tocologia; cesárea; jurisprudência; autonomia pessoal

Texto completo:

PDF

Referências


AGUIAR, J. C. e TABAK, B. M. Análise comportamental do direito: ideias básicas. In: TABAK, B. M. & AGUIAR, J. C. Direito, Economia e Comportamento Humano. Curitiba: CRV, 2016.

AGUIAR, J. C. e HABER, M. T. Controle jurídico das políticas públicas: uma análise a partir dos conceitos de eficácia, efetividade e eficiência. Revista de Direito Administrativo & Constitucional. Belo Horizonte, ano 17, n. 70, out./dez. 2017, p. 257-280.

AMELINK -VERBURG, M. P. e BUITENDIJK, S. E. Pregnancy and labour in the Dutch maternity care system: what is normal? The role division between midwives and obstetricians. Journal of Midwifery & Women's Health, Volume 55 (3) – May 6, 2010, p. 216-226.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Parecer 596, de 2019 da Comissão de Constituição, Justiça e Redação sobre o Projeto de Lei 435/2019 – voto em separado de Emídio de Souza. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000262934. Acesso em 02.02.2020.

________. Parecer nº 618, de 2019, da reunião conjunta das Comissões de Defesa dos Direitos das Mulheres e de Finanças, Orçamento e Planejamento sobre o Projeto de Lei 435/2019. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000262934. Acesso em 02.02.2020.

BATISTA FILHO, M.; RISSIN, A. WHO and the epidemic of cesarians. Rev. Bras. Saude Mater. Infant., Recife, v. 18, n. 1, Mar. 2018, p. 3-4.

BÉNABAU, R.; TIROLE, J. Incentives and Prosocial Behavior. American Economic Review, vol. 96, n. 05, 2006, p. 1652-1678.

BLANK, I. M. P. e BRAUNER, M. C. C. Medicalização da saúde: biomercado, justiça e responsabilidade social. JURIS - Revista da Faculdade de Direito, v. 14, 2019, p. 7-24.

BOERMA, T. et al. Global epidemiology of use of and disparities in caesarean sections. The Lancet, Vol. 392, out./2018, p.1341–48.

BRASIL. Portaria GM/MS no 1459, de 24 de junho de 2011. Institui no âmbito do SUS, a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. Brasília, 2011.

________. Portaria GM nº 1.153, de 22 de maio de 2014. Redefine Critérios de habilitação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), como estratégia de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno e à saúde integral da criança e da mulher, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). In: Diário Oficial da União. Brasília, 2014, 28 de maio de 2014, Seção I, p. 43.

________. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Diretrizes de atenção à gestante: a operação cesariana. Brasília, DF: Autor, 2015.

________. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal. Brasília, DF: Autor, 2016.

________. Projeto Apice On. Brasilia: MS, 2017.

BRENES, A. C. História da Parturição no Brasil, Século XIX. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, 1991, p. 135-149.

COPELLI, F. H. S. et al. Determinants of women's preference for cesarean section. Texto contexto - enferm., Florianópolis, v. 24, n. 2, June 2015, p. 336-343.

DENEUX, C. et al. Postpartum maternal mortality and cesarean delivery. Obstetrics and gynecology. 2006; 108 (3 Pt 1): p. 541-548.

DEVRIES, R. G. e BARROSO, R. Midwives among the machines: re-creating midwifery in the late twentieth century. In MARLAN, H. e RAFFERTY, A. M. (Edit.). Midwives, society and childbirth: debates and controversies in the modern period. London: Routledge, 1997, p. 248-272.

DINIZ, C. S. G. Assistência ao parto e relações de gênero: elementos para uma releitura médico social. Tese (Mestrado em Medicina Preventiva) – Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.

________. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciência & saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, 2005, p. 627-637.

EMERSON, R. Power-dependence relations. American Sociological Review, v. 29, nº 01, 1962, p. 31-41.

ENTRINGER, A. P. et al. Análise de custos da atenção hospitalar ao parto vaginal e à cesariana eletiva para gestantes de risco habitual no sistema Único de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 24(4), 2019, p.1527-1536.

GELLER, E.J. et al. Maternal outcomes associated with planned vaginal versus planned primary cesarean delivery. American journal of perinatology. 2010 Oct;27(9): p. 675-83.

GELLER, E.J. Neonatal outcomes associated with planned vaginal versus planned primary cesarean delivery. Journal of perinatology: official journal of the California Perinatal Association. 2010 Apr; 30(4): p. 258-64.

GENTILE, F. P. et al. Associação entre a remuneração da assistência ao parto e a prevalência de cesariana em maternidades do Rio de Janeiro: uma revisão da hipótese de Carlos Gentile de Mello. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, Apr. 1997, p. 221-226.

GIGERENZER, G. On the Supposed Evidence for Libertarian Paternalism. 2015. Disponível em . Acesso em 02.02.2020.

HAUSMAN, D. M. et WELCH, B. Debate: To Nudge or Not to Nudge. The Journal of Political Philosophy: Volume 18, Number 1, 2010, p. 123–136.

HOPKINS, K. Are brazilian women really choosing to deliver by cesarean? Social Science & Medicine, vol. 51, 2000, p. 725-740.

JOSEPH, K.S. et al. Severe maternal morbidity in Canada, 2003 to 2007: surveillance using routine hospitalization data and ICD-10CA codes. Journal of obstetrics and gynaecology Canada. 2010 Sep;32(9): p. 837-46.

LEAL, M. C. (coord). Cesarianas desnecessárias: causas, consequências e estratégias para sua redução. Fundação Oswaldo Cruz (Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca). Rio de Janeiro, 2007.

LUMBIGANON, P. et al. Method of delivery and pregnancy outcomes in Asia: the WHO global survey on maternal and perinatal health 2007-08. The Lancet. 2010; 375: 490-9.

MAIA, M. B. Humanização do parto: política pública, comportamento organizacional e ethos profissional. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2010.

MICHAEL, J. L. Concepts and principles of behavior analysis. Kalamazoo: Association for Behavior Analysis, 2004.

MIKULIK, M. Pharmaceutical market: worldwide revenue 2001-2018. Disponível em: < https://www.statista.com/statistics/263102/pharmaceutical-market-worldwide-revenue-since-2001/>. Acesso em 07.02.2020.

OCHI, G. M. et al. Strategic measures to reduce the caesarean section rate in Brazil. The Lancet, Vol. 392, out./2018, p. 1290-1291.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Appropriate Technology for Birth. The Lancet, 8452 (ii): 436-437, 1985. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2863457.

________. Care in normal birth: a practical guide. 1996.

________. Declaração da OMS sobre taxas de cesáreas. 2015.

________. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. 2018

PATAH, L. E. M. e MALIK, A. M. Modelos de assistência ao parto e taxa de cesárea em diferentes países. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 45, n.1, Feb. 2011, p. 185-194.

RACHLIN, Howard. Choice Architecture: a review of Why Nudge: the politics of libertarian paternalism by Cas R. Sustein. Journal of The Experimental Analysis of Behavior, 2015, 9999, p. 1–6.

ROHDEN, F. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001.

SANDALL, J. et al. Short-term and long-term effects of caesarean section on the health of women and children. The Lancet, Vol. 392, out./2018, p. 1349-1357.

SANTOS, H. G. et al. Mortes infantis evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde: comparação de duas coortes de nascimentos. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, Mar. 2014, p. 907-916.

SILVA, B. M. G. Uma proposta de atuação para o enfrentamento à violência obstétrica: a experiência do Ministério Público Federal no estado do Amazonas. In: CASTILHO, E. W. V. et al (org.). Perspectivas de gênero e o sistema de justiça brasileiro. Brasília: ESMPU, 2019, p. 122-145.

SIMAS, R. e MENDONÇA, S. S. O caso Adelir e o movimento pela humanização do parto: reflexões sobre violência, poder e direito. Vivência: Revista de Antropologia, v. 1, n. 48, 7 mar. 2017, p. 89-103.

SOUZA, J. P. et al. Caesarean section without medical indications is associated with an increased risk of adverse short-term maternal outcomes: the 2004-2008. WHO Global Survey on Maternal and Perinatal Health. BMC medicine, 2010, p. 8-71.

SUFANG, G. et al. Delivery section and caesarean section rates in China. In: WHO. Bulletin of the World Health Organization, volume 85, n. 10, Oct. 2007, p. 733-820.

THALER, R. H. et al. Choice architecture. April 2, 2010. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=1583509. Acesso em 02.02.2020.

¬__________. et al. The Behavioral Foundations of Public Policy, Ch. 25, Eldar Shafir, ed. (2012)

THALER, R. H. e SUNSTEIN, C. R. Nudge: improving decisions about health, wealth, and happiness. Penguin, 2008.

THOMPSOM, S. M. et al. Creating guardians of physiologic birth: the development of educational initiative for student midwives in Netherlands. Journal of Midwifery and Women´s Health, Volume 64 (5) – Sep 1, 2019, p. 641-649.

TORNQUIST, C. S. Parto e poder: o movimento pela humanização no Brasil. Tese (Programa de Pós-graduação em antropologia social – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.

TVERSKY, A. e KAHNEMAN, D. The Framing of Decisions and the Psychology of Choice. Science, New Series, Vol. 211, No. 4481. (Jan. 30, 1981), p. 453-458.

VILLAR, J. et al. Maternal and neonatal individual risks and benefits associated with caesarean delivery: multicentre prospective study. BMJ. 2007; 335 (7628): 1025.

WIKLUND, I. et al. Appropriate use of caesarean section globally requires a different approach. The Lancet, vol. 392, Oct. 2018.




DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v11i1.6589

ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)

Desenvolvido por:

Logomarca da Lepidus Tecnologia