Privacidade relacional no Ambulatório de Oncogénetica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Leonardo Stoll de Morais, Patrícia Ashton-Prolla, José Roberto Goldim, Márcia Santana Fernandes

Resumo


O artigo trata do direito à privacidade relacional no contexto do serviço multidisciplinar da Oncogenética. Em particular, objetiva-se no estudo problematizar a mudança empírica da privacidade individual, para a noção relacional, principalmente, em face dos desafios impostos pelo aconselhamento genético humano. A questão central do estudo é responder se a privacidade visa garantir uma fronteira exclusiva que separa o indivíduo dos demais; ou se ela, ao contrário, protege o relacionamento contínuo de confiança, permeado por decisões compartilhadas entre o indivíduo e outras pessoas. Para isso, realizou-se um estudo de caso institucional do Ambulatório de Oncogenética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, para avaliar se, nesse ambiente, a privacidade é consolidada por meio de narrativas que potencializam a noção de indivíduo detentor de um segredo; ou se ela é definida com base em processos dialéticos que traduzem a ideia relacional de pessoa receptora de uma informação compartilhável. A partir dos resultados obtidos, conclui-se que, no aconselhamento genético, o direito à privacidade é protegido por meio de processos narrativos estabelecidos entre o paciente que compartilha as informações e o profissional que atua como receptor e intérprete. Trata-se, portanto, de um cenário em que há uma relação de cooperação a fim de garantir benefícios aos envolvidos, sendo o dever do paciente informar os familiares em risco e o dever do profissional de saúde manter os dados e informações de forma confidencial.

Palavras-chave


Privacidade relacional; Aconselhamento genético; Informação genética; Decisões compartilhadas.

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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v8i3.5638

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